segunda-feira, 16 de novembro de 2020

A “Esquerda iludida” e o teatro da "Democracia Liberal". Um resumo da tragicomédia.

 

A “Esquerda iludida” e o teatro da "Democracia Liberal". Um resumo da tragicomédia.

(por Paulo Vinícius)*


(A "Democracia Liberal Representativa" é o jogo da burguesia, não há possibilidade efetiva de mudança dentro desse jogo).



Para vencer uma eleição, dentro do esquema da "Democracia Liberal Representativa", é preciso dinheiro e manipulação ideológica.


.O dinheiro tem duas principais fontes: fundo público partidário+fundo eleitoral (os maiores partidos ganham mais) e “Caixa 2” (de onde vem muita grana).

.A manipulação ideológica é feita por intermédio da mídia privada de massa , internet e igrejas (tudo com muita grana rolando) e envolve especialistas em propaganda, psicologia, ciências sociais, mídia.


A "Esquerda" socialista radical não tem dinheiro e nem meios eficientes de propagação ideológica, portanto, dentro do que alguns ainda chamam "Esquerda" só a "Centro Esquerda" ou "Esquerda Institucionalizada" tem alguma chance de vencer eleição, por fazer acordos com a classe burguesa, recebendo financiamento de empresas privadas interessadas em usar o aparato estatal para seus próprios interesses por intermédio de seus fantoches políticos patrocinados. Resumindo, temos aí uma farsa.


Quando a "Centro Esquerda" vence, está já comprometida com os interesses da burguesia, foi assim com o PT que fez acordos com Odebrecht, OAS, JBS, José de Alencar (grande empresário, do Partido Liberal) vice de Lula, e alianças com PP de Maluf, PMDB e até o Bolsonaro (na época no PP, antiga Arena) foi da base do governo Lula; PSC de Feliciano, Collor, Renan Calheiros, Sarney...Gente que depois pulou do Titanic como era previsto. Isso infelizmente é história.

A “Centro Esquerda” no poder é útil para maquiar o sistema e evitar a revolta popular , sabotando a luta sindical e desmontando a resistência.


No momento a classe dominante não precisa da “Centro Esquerda”, pois a Direita política conseguiu fazer uma boa propaganda ideológica e "torrar o filme da Esquerda"; agora é "bonito" o sujeito assumir-se como "Direita", e por mais canalha que o indivíduo seja a massa aplaude; o povão aceita essa conversa sem questionar e os atores políticos da suposta “Esquerda” não conseguem rebater adequadamente o discurso dos Conservadores, ficaram com “vergonha” da própria ideologia, escondem até a cor original de suas bandeiras e símbolos.


Mas, se houver ameaça de revolta popular, anotem aí: a “Centro Esquerda” pode voltar para aliviar a situação e conter a revolta, isso já aconteceu outras vezes na história. Políticas de "Estado de Bem-Estar Social" são exemplos do que menciono aqui, isso aconteceu na Europa ainda na primeira metade do século XX para evitar o avanço das ideias socialistas (por temor à expansão soviética) e até mesmo no Brasil na era Vargas e depois na era Lula. Claro que isso sempre soa como "menos pior" se comparado a tragédia que é um governo declaradamente de Direita, mas tudo faz parte do roteiro. Notamos neste ponto o poder cego do “povo” (do qual a maior parcela é formada pela classe trabalhadora desorganizada); força essa conduzida pelas emoções e manipulação ideológica, mas que pode “despertar” diante de uma situação de sofrimento e intensa exploração para acabar sendo iludida ou reprimida pela classe dominante que controla o aparato estatal, pois falta a chamada “consciência de classe” e as “organizações” políticas que se autoproclamam “representantes” dos “trabalhadores” não conseguem insuflar a base (dado que estão distantes da periferia ou não conseguem comunicar suas propostas de forma eficiente e persuasiva).


Quando acontece algum furo nesse esquema, aí entra em cena o recurso do golpe de Estado,atentado, apelo à manipulação jurídica, por exemplo, ou até mesmo a difamação apelativa com show de “fake news”.


Há divisões na burguesia, concorrência entre empresas, então, quando vence um partido ou coligação "x" contra uma "y", isso indica muitas vezes qual ala da burguesia teve mais força no jogo, tal como acontece nos EUA entre "Republicanos" e "Democratas", fantoches da burguesia estadunidense em um grande circo político. A ilusão é muito bem elaborada, é preciso que a população legitime o jogo, isso acalma possíveis revoltas e insatisfações , dando uma "colorido" democrático fantasioso para o sistema e funciona muito bem, a ponto de que parte da militância de “Esquerda” cai na armadilha com frequência.

A "Democracia Liberal Representativa" é o jogo da burguesia, não há possibilidade efetiva de mudança dentro desse jogo para quem ainda carrega ideais socialistas "tradicionais". Com o avanço das novas tecnologias de propagação de "informação", tecnologias de monitoramento, somado às armas cada vez mais avançadas (que a Esquerda Socialista não tem), a cada dia fica mais difícil quebrar com o esquema. A "Esquerda" (socialista sincera e que deseja alguma real mudança) está perdendo "o bonde da história"( para não dizer que já perdeu).

Quando parte da “Esquerda” aderiu às eleições no modelo liberal, abrindo mão de outras vias de embate, optou pela derrota dos ideais que dizia defender. Para tentar começar a vislumbrar uma possibilidade de fuga do labirinto no qual se meteu, se faz urgente para a pretensa Esquerda a busca por novas estratégias partindo de uma autocrítica profunda, caso contrário o problema tende a se agravar de forma irremediável.




*(Professor de Filosofia e Sociologia; Antropólogo e Cientista Político).


sábado, 7 de novembro de 2020

Teatro da Democracia Liberal Representativa da “Silva Sauro” e as eleições nos EUA.

Trump é (pois ainda não saiu da Casa Branca ) uma piada na presidência da maior potência capitalista e bélica, mas conseguiu chegar a tal posto de "fantoche máximo", pois representava (representa) interesses de parte da burguesia estadunidense, preocupada com os avanços chineses.

Na legitimação duvidosa das urnas nos EUA, Trump (e os "conservadores" que o seguiam), apostou (seguindo orientações do ideólogo Steve Bannon, patrocinado por famílias de uma ala da burguesia estadunidense) na reação de parte da população contra os exageros pseudo-progressistas da falsa “Esquerda Liberal” (insuflada pelos Democratas) e quem os patrocina; o que deu certo uma vez, agora "não rolou".


Com o “Democrata” Biden, volta a estratégia da "maquiagem no sistema", falsa diplomacia, discurso para agradar militância e passar seriedade "democrática", quando, na verdade, o que de fato ocorrerá é a volta da expansão imperialista estadunidense. 

Para os EUA poderá ser positivo a volta dos Democratas neste momento (no entanto, para voltarem aos eixos terão que continuar com o protecionismo “trumpista”, evitar medidas liberais na economia, investir pesado em mais tecnologia para competir com as indústrias chinesas e explorar países subdesenvolvidos como sempre fazem) , pois estavam em decadência. Mas para o mundo provavelmente não será bom, com exceção do Brasil onde o desprezível Bolsonaro vai sentir o baque, já que ficará, em um primeiro momento, sem a tutoria dos conservadores estadunidenses representados por Trump, portanto isso poderá enfraquecer o canalha na presidência do Brasil e nos dar algum alívio momentâneo (caso ele não reaja de forma desesperada e violenta) .


Há, de um certo ponto de vista, uma satisfação pela derrota de Trump. É simbólico a derrota de um sujeito que representa tanta estupidez, um cara realmente escroto, o “Bolsonaro dos EUA”, mas há um outro lado dessa história que é o que pode vir por aí...


Parte da militância de Esquerda festeja sem crítica, tal como festejaram Obama ( o do governo que espionou Dilma, bombardeou a Líbia, patrocinou a primavera árabe e guerra na Síria, aquele do governo denunciado por Snowden) , pois esses expectadores se impressionam com qualquer coisa aparentemente impactante que acontece no palco propagado pela mídia privada de massa. Alguns, na verdade, deveriam assumir que defendem valores “liberais”, pois, de "socialismo" pouco falam, simplesmente aceitam o teatro da “democracia liberal representativa” sem analisar criticamente a situação. No Brasil se iludem com fantoches de partidos de Centro Esquerda que estão inseridos no sistema e boa parte dessa militância só repete a ideologia da Esquerda Liberal dos EUA (sim jovem, existe "Esquerda Liberal", aliás os liberais foram a "primeira Esquerda da história" nos primórdios da Revolução Francesa), a tal "cultura do cancelamento" e linchamento virtual, a "lacração", movidos pelas ondas incitadas estrategicamente nas redes sociais (pelas forças "ocultas" como dizia Getúlio).


Todo governo ( em sociedades capitalistas, em especial) representa os interesses de quem controla o capital e detém a propriedade privada dos meios de produção, controla as armas, a mídia, a religião e manipula as mentes das pessoas via tecnologia de comunicação e similares...

 

O Estado é conduzido por fantoches patrocinados por mega empresas privadas, e seu poder repressivo sempre será usado contra os interesses da classe trabalhadora e de quem desejar liberdade, independente de qual for a cor da bandeira no topo, e isso precisa ser lembrado diariamente.


Prof. Paulo Vinícius.



 

sexta-feira, 24 de julho de 2020

Triunfo da Poesia.

("Nascimento da Arte" de P.Vinícius)






Triunfo da poesia




Entre Insanidade!
Bem vinda sejas à cinza casa.
Deite-se entre números enfadonhos,
na sala da frente da lógica estrutura,
espalhe ao alto teus belos sonhos!


Faça uma fogueira, doce piromaníaca,
com as secas idéias infrutíferas.
Fogo no templo, no reino, na Terra,
que pela paixão seja a nova guerra,
contra as amarras da apatia.


E os alados sentimentos que em ti são gerados,
alimentados com mel de impulsos carnais,
se lançarão ao mundo, famintos animais,
iluminados, profetas da fantasia,


pregando o evangelho da radical paixão,
prazer, lírica-razão,
anunciando o triunfo da poesia!


(Paulo Vinícius)


quarta-feira, 22 de julho de 2020

Filósofos da Natureza: Empédocles, Demócrito, Anaximandro.




Anaximandro : final do século VII, início do século VI AC, 610 — 546 a.C. (Mileto, atual Turquia).
Empédocles: 495 a.C. - 430 a.C (Agrigento atual Sicília/Itália).
Demócrito: 460 a.C. — 370 a.C (Abdera/Trácia).

sexta-feira, 17 de julho de 2020

A tragicomédia contemporânea brasileira, em resumo. De 2013 a 2019.



A tragicomédia contemporânea brasileira, em resumo.
Das manifestações de junho de 2013 ao governo Bolsonaro em 2019.

por
 Paulo Vinícius Nascimento Coelho
(Professor de Filosofia e Sociologia; Cientista Social; Especialista em Pensamento Político).

terça-feira, 7 de julho de 2020

Apontamentos sobre Anarquismo: embates com o Marxismo e o uso do termo “Esquerda”.



Apontamentos  sobre Anarquismo: embates com o Marxismo e o uso do termo “Esquerda”.
(por Paulo Vinícius N. Coelho; Professor de Filosofia e Sociologia;Cientista Social).

Socialismo Libertário.
O Anarquismo originalmente é um movimento socialista e comunista (sendo o “comunismo”: a imaginada etapa posterior a uma transformação socialista das sociedades capitalistas, segundo propostas anarquistas ou marxistas; a desejada superação da condição de divisão em classes das sociedades humanas, dissolução dos Estados; fim das hierarquias de poder; superação da situação de exploração do trabalho humano por parte de uma classe no controle dos meios de produção e do aparato estatal) e como tal carrega o desejo de realização de uma sociedade sem classes sociais, baseada na igualde e liberdade, coletivização dos meios de produção, sem hierarquias de poder, sem Estado, alicerçada na autogestão, modelos de democracia direta e assembleias populares, livre de todo tipo de exploração, para que, então, a humanidade possa ser liberada para o desenvolvimento de potencialidades criativas.

Sobre o termo " Esquerda".
Como os partidos socialistas marxistas de várias tendências, os movimentos anarquistas são classificados tradicionalmente dentro do espectro ideológica da "Esquerda", exatamente por estarem alinhados ao movimento socialista mais abrangente.
Não tenho problemas com o uso do termo "Esquerda", mas quem o rejeita, alegando ser "apenas uma convenção criada na segunda metade do século XVIII, durante a Revolução Francesa, para identificar a parte mais radical do movimento liberal", tem alguma razão; no entanto, não me parece muito importante polemizar isso, desde que se compreenda que , desde o século XIX "Esquerda" inclui os movimentos socialistas e é preciso recordar, também, que dependendo da circunstancia ou lugar, “Liberais” ainda são vistos como “Esquerda” (nos EUA, por exemplo). Temos, então, uma questão de esclarecimento filosófico e histórico; um problema de “esclarecimento sobre o uso do termo” e sobre qual seria a real necessidade de seu uso, visto que se trata de uma mera terminologia para organizar o debate político segundo um espectro ideológico.

Quem não simpatiza com o termo "Esquerda", entende que o anarquismo deveria livrar-se desse rótulo criado pelos liberais e assumido pela maior parte dos marxistas, dado que isso mais confundiria do que ajudaria na causa anarquista e, sendo o anarquismo um movimento inerentemente “rebelde” e anti-sistema, não haveria motivo suficiente para aceitar a terminologia liberal (o que é algo a se pensar e sem dúvida faz sentido).


Embates entre Anarquismo e Marxismo.
Os anarquistas ajudaram a fundar a Primeira Internacional dos Trabalhadores em 1864 , mas a rivalidade com Marx e Engels ( ainda vivos na época) se fez sentir no interior da associação, primeiro por causa das críticas de Marx à obra de Proudhon e a outros anarquistas vistos como "românticos"(críticas que me parece fazem algum sentido, em parte) e depois com o embate entre Bakunin e Marx.

Bakunin apontava no pensamento de Marx uma tendência ao autoritarismo, quando Marx e seus seguidores defendiam a necessidade de tomada do Estado por parte de um "partido" ou movimento que representasse a classe trabalhadora organizada (para a realização da "revolução da classe proletária"). Tal "partido" ou "movimento" seria liderado por uma "vanguarda" da classe trabalhadora, o que, dependendo da perspectiva, pode ser visto como uma afirmação de hierarquização da organização política da classe. 
Dado que o Estado é "uma ferramenta de controle e imposição de interesses, da classe dominante sobre as demais" (no capitalismo a classe burguesa), se uma classe substituir a outra no controle do Estado ainda teremos o uso do Estado como "ferramenta de opressão e controle social", configurando uma ditadura. Marx reconhecia o papel autoritário do Estado, por isso apontava no capitalismo a "ditadura da burguesia no controle do Estado" e se os trabalhadores chegassem ao poder teríamos, então, obviamente, a "ditadura do proletariado", visto que no socialismo de viés marxista o Estado seria mantido por um tempo até ser possível sua dissolução e finalmente o comunismo propriamente dito. Mas é infelizmente verdade que, na prática, os "supostos regimes marxistas", ou que diziam se inspirar no marxismo, viraram "ditaduras permanentes", dado que não dissolveram o Estado e não avançaram ao comunismo (há muitas supostas justificativas para tal, como por exemplo : uma situação de "guerra" permanente contra as nações capitalistas, pois, para se concretizar realmente o ideal comunista o mundo todo deveria chegar ao mesmo patamar; o fato é que as “elites dirigentes” dos partidos auto-denominados marxistas se mantiveram no controle do aparato Estatal em países como Cuba, URSS, Coréia do Norte, impondo violentamente seus interesses sobre a classe trabalhadora que diziam “representar”).

A disputa dentro da Primeira Internacional piorou depois da "Comuna de Paris" (1871) quando muitos anarquistas morreram lutando contra as tropas francesas  (França recebe apoio do então "Império Alemão" para derrotar a Comuna) , Bakunin sobrevive , mas com seu grupo enfraquecido amarga uma expulsão da Internacional em um movimento articulado por Marx e seus seguidores que se aproveitam da situação, o que foi algo muito reprovável e sugere, sem dúvida , uma tendência autoritária por parte de Marx e Engels. Após a cisão a Internacional definha e temos na prática o desenvolvimento de uma "Segunda Internacional" a qual irá ser efetivada realmente em 1889 sob a liderança de Engels e sem a participação do movimento anarquista.

A Terceira Internacional surge na URSS em 1919, sob o bolchevismo e ganha o nome de "Internacional Comunista" ainda durante a gestão de Lênin. O regime soviético "patrocinou" vários "Partidos Comunistas" pelo mundo e adotou um hino para a Internacional que era, "ironicamente", o mesmo hino criado durante a "Comuna de Paris" pelo anarquista Eugène Pottier, se apropriando em parte da simbologia comunista e anarquista.

Por sua vez os trotskystas (divididos em inúmeras tendências) fundam "algumas" "Quartas Internacionais" e partidos  que irão disputar eleições e sindicatos (como PSTU, que segue o trotskysmo de Nahuel Moreno) ou correntes que participarão de partidos reformistas como PSOL e Centro-Esquerda eleitoreira e reformista como PT. 

No Brasil o movimento anarquista, que foi muito forte na primeira metade do século XX com "Greves Gerais" (proposta originalmente atribuída aos anarquistas), começou a enfraquecer durante a ditadura do "Estado Novo" de Vargas. Muitos anarquistas foram expulsos do país ou assassinados. Ainda antes de Getúlio, em 1922 o "bolchevique" PCB foi criado com a participação de alguns anarquistas (que mudaram de orientação) em sua fundação, sob influência soviética, partido este que foi muito forte mesmo sob pressão do governo Vargas nos anos 30 e 40 até o Golpe Militar em 1964, mas acabou definhando com acúmulos de erros internos, consequências da divisão em alas (PCB e PC do B); polêmicas acumuladas de anos passados tais como a atitude de Luís Carlos Prestes apoiando Vargas (mesmo com a deportação de Olga, sua esposa grávida, para a Alemanha Nazista), com justificativa de estratégia "patriótica" dadas as ameaças ao Brasil por parte da Direita entreguista sob influência estadunidense; divergências entre stalinistas e críticos ao stalinismo (refletindo mudanças na URSS na época)... A militância do PC brasileiro sofreu pesada perseguição na clandestinidade na luta contra a ditadura e, por fim, PCB e PC do B (criado em 1958, afirmando-se como de tendência stalinista, o qual surgiu como uma dissidência do PCB original)  caíram no jogo burguês da "democracia liberal representativa" no "pós ditadura" a partir dos anos 80. O atual PCB é hoje um partido considerado pequeno e vem mantendo uma militância "bolchevique leninista" mais crítica à institucionalidade vigente, já o  PC do B é um partido que se perdeu dentro do "modelo liberal de democracia" em alianças com o PT e até mesmo algumas vezes com a Direita Declarada (MDB, PP, PL, PSC, etc, quando ainda fazia parceria com PT e PSB no governo federal ou em coligações com outros partidos nas unidades da federação). Do PCB ainda derivou o PPS (criado em 1992), também assimilado pelo jogo da democracia burguesa ( participou do governo Temer). 

Os bolcheviques (de vertentes variadas), por causa do poder de regimes como a URSS, China, Cuba, ganharam muita força dentro da "Esquerda" no século XX e dominaram o movimento marxista e socialista até que os social-democratas contemporâneos começaram a ganhar mais espaço nos anos 80 no Brasil , o que na Europa Ocidental já acontecia no pós guerra com as políticas de "Estado de Bem-Estar Social" (tática reformista útil à manutenção da máquina do sistema capitalista já que oferece um alívio ilusório na exploração da classe trabalhadora, maquiando o capitalismo; típica política de social-democratas, "liberais sociais" e trabalhistas, reformistas em geral). Lembrando que a social-democracia já foi mais combativa, aliás, foi o "Partido Social Democrata Russo" que deu origem a ala Bolchevique leninista e trotskysta.

Os anarquistas guardam memórias das perseguições bolcheviques. Na Ucrânia, por exemplo, muitos anarquistas do "Exército Negro" (conduzido por Makno) foram mortos em 1920 pelo "Exército Vermelho" comandado por Trotsky, seguindo ordens de Lênin, mesmo após terem auxiliado os bolcheviques nos combates contra o "Exército Branco". E hoje é comum "autodenominados marxistas" sabotarem sindicatos ou denunciarem manifestações anarquistas. Agora, o que é "ser marxista", eis aí uma questão complexa dado que há muitas subdivisões nesse movimento assim como há muitas subdivisões no movimento anarquista, porém, ideias básicas podem ser apontadas para identificar as tendências marxistas e uma delas é a defesa da tomada do Estado e rechaço às propostas fundamentais libertárias do anarquismo, seguindo uma simpatia por hierarquias de poder e culto a lideranças políticas, excesso de "personalismo" e participação na democracia representativa liberal,  tudo isso obviamente oposto à base do anarquismo (Socialismo Libertário).

Com relação ao problema do Estado. 
A proposta anarquista (há muitas, mas vamos destacar uma) com relação ao Estado, durante o processo revolucionário, é substituir imediatamente a estrutura estatal por formas de organização autogestionárias, seguindo modelos de democracia direta e assembleias populares, com coletivização imediata dos meios de produção, formando comunas (internamente organizadas com base em sindicatos ou cooperativas e assembleias populares) interligadas em um sistema federativo, armando toda a população para a defesa da "federação de comunas". Tal modelo poderia assemelhar-se a um "Estado" como alguns críticos apontam, mas, dado que a horizontalidade decisória deve ser o pilar e a participação ativa de todos os integrantes desse modelo de sociedade deve ser buscada, a ideia de "instituição de controle e de opressão de uma classe sobre as demais" (características de Estado) tenderia a ser dissipada, embora, alguém poderia dizer também que os anarquistas teriam que usar algum tipo de "disciplina de controle" para impedir a implosão do modelo, devido a ataques internos de inimigos disfarçados ou declarados e para melhor poder enfrentar inimigos externos que obviamente iriam continuar existindo, até que tal modelo fosse estendido a todo o globo ( o que me parece uma utopia distante e muito difícil de ser realizada, infelizmente). Tal modelo exigiria "consciência de classe" o que, para alguns anarquistas, só poderá surgir depois de intenso processo de educação para a autonomia, já outros apostam em um tipo romântico de "espontaneísmo" ou que é necessário "dar algum exemplo" para despertar a revolta, incitar revolta na base da classe trabalhadora... Tudo isso é especulação já que não temos exemplos da implantação dessas propostas em grande escala na história, apenas experiências locais em pequenas comunidades (o que já impõe outro modelo). 

Sobre viver o anarquismo hoje.
Viver ideias socialistas em geral (anarquistas ou marxistas) é muito difícil hoje, dado que o capitalismo aprofundou-se de tal forma que contaminou todas as esferas da ação humana e a cultura de quase todas as sociedades no planeta. Mas é possível colocar em prática propostas anarquistas de autogestão em grupos e pequenas comunidades, cooperativas, propostas mutualistas, educação para autonomia racional e criativa, evitar hierarquias de poder ou evitar tratar outras pessoas sob influência de hierarquias de poder e valores burgueses... Agora, agir de forma mais combativa contra o sistema, como os anarquistas revolucionários do século XIX, infelizmente me parece inviável para um movimento que hoje é minoritário e sem armas, sem dinheiro, sem mídia, sem apoio da própria classe (ludibriada pela ideologia da classe dominante, igrejas e partidos pelegos). Tentar atacar o Estado (braço armado do Mercado, ferramenta da burguesia) com paus e pedras, é quase suicídio, eis a tragédia da "Esquerda Socialista".
Quando grande parte da "Esquerda" decidiu aderir ao jogo da "democracia liberal representativa" a derrota foi decretada, sair desse sepulcro será difícil.




As tecnologias hoje disponíveis poderiam possibilitar a transformação das sociedades humanas para algo próximo dos ideais anarquistas socialistas, no entanto o poderio bélico dos Estados e, por consequência, da classe dominante, aumentou e as novas tecnologias também permitem um maior controle e monitoramento de populações. Se nos séculos XIX e XX (antes das grandes guerras) as tecnologias eram arcaicas e dificultavam uma mais eficiente "nova organização social" aos moldes dos planos anarquistas, a luta armada e revoltas populares pareciam ser mais viáveis (mesmo assim foram todas "massacradas" pelos Estados). Hoje as tecnologias são mais eficientes, mas os Estados se fortaleceram também com elas.

"Apesar dos pesares", das perseguições dos Estados, traições dentro do front da classe trabalhadora, açoites do Mercado,  há anarquistas por aí ainda, alguns se aventuram contra a repressão estatal e são perseguidos, outros espalham arte e ideias, outros estão enfrentando pelegos dentro de sindicatos, alguns se "isolaram" em comunidades alternativas (há muitos tipos de anarquismo, não esqueça), outros são hackers,  há pacifistas, há militantes rebeldes "revolucionários" mais combativos, feministas, antirracistas, cosmopolitas, a maioria lutando por direitos da classe trabalhadora e pelo fim da opressão contra as minorias, há militantes da causa dos "direitos dos animais", alguns desenvolvem tecnologias alternativas para possibilitar alguma autonomia para trabalhadores mais pobres...

Talvez um dia surja uma possibilidade real de transformação das sociedades humanas para algo mais positivo (não sabemos quando), o anarquismo (ou os anarquismos) trazem propostas para tal. A humanidade precisa mudar seu rumo, pois, se continuar neste ritmo do "capitalismo voraz", o fenômeno humano estará fadado a aniquilação ou a aprofundar suas mazelas ao deteriorar sua própria condição de vida no planeta, flagelando a si mesmo como espécie. A possibilidade da mudança não cairá do céu, cabe a nós construirmos a estrada, desenvolvermos alternativas.

A bandeira anarquista ostenta ainda um "otimismo" com relação a possibilidade da espécie humana libertar-se das armadilhas que criou para si mesma ou, sob outro ângulo: a esperança na possibilidade da maior parte da humanidade se levantar contra a ganância e estupidez de uma minoria que suga o esforço de bilhões e atrapalha o desenvolvimento pleno das potencialidades criativas da espécie (o que apenas em uma situação de liberdade, ausência de exploração e opressões, quando os meios de produção estiverem ao serviço de toda a espécie e as mazelas de cunho material forem resolvidas, poderá se aproximar da efetivação). 




segunda-feira, 6 de julho de 2020

Literatura, uma arte para pensar aspectos da realidade.



Literatura: uma arte para pensar aspectos da realidade.
(por Paulo Vinícius N. Coelho; Professor de Filosofia e Sociologia).

Uma obra literária, como um romance, revela o mundo interno de representações de seu (sua) autor (autora), um universo interior repleto de simbologias e perspectivas sobre a realidade que o circunda, mas, também seus sentimentos, emoções, valores e preferências (em vários âmbitos). No entanto, isso não necessariamente aparecerá de forma explícita, pelo contrário, muitas vezes pelos críticos é considerado um critério para avaliação da qualidade de uma obra literária a capacidade do escritor disfarçar suas próprias preferências e visão de mundo, na riqueza de “nuances” dos comportamentos e pensamentos das personagens e desenvolvimento de características psicológicas das mesmas.
Obviamente é inevitável reconhecer que mesmo no disfarce das máscaras (personagens) ali ainda está o autor (ou autora), afirmando um valor ou perspectiva importante para ele (ela) sobre a realidade (ou sobre si mesmo) ou expressando um diálogo entre perspectivas que pretende destrinchar, destruindo algumas, até destacar a que for sua preferida. Isso é inevitável, pois, trata-se da criação da mente de um sujeito que gera um universo através da escrita, com detalhes de ambiente e características de personagens, como um “deus parindo um mundo”; tal mundo é parte dele, ali ele está presente em todos os aspectos desse mundo, não há como escapar disso, mesmo na hipótese de uma escrita automática, aliás, neste caso, geralmente, a pretensão é revelar o subconsciente do próprio autor (a).

Como estamos integrados a um mundo (falando aqui do Universo-Natureza que tomamos como “realidade”, a “phýsis” dos “Filósofos da Natureza”; uma realidade dada, mas, sobre a qual pouco temos controle e conhecimento aprofundado) é comum levarmos em consideração, ao lermos uma obra literária, o contexto social, político, histórico e cultural onde o autor da obra estava mergulhado quando a produziu, e mesmo que, de nossa parte, como leitores, não demonstrássemos preocupação com isso (embora, ela esteja sempre implícita até quando não sublinhada, dado que tais informações são necessárias para que nossa mente decodifique o que está lendo), não há dúvidas de que o escritor(a) sofreu as influências do meio onde estava inserido e processou tais influências de acordo com seu arcabouço conceitual, bagagem de informação e subjetividade (para resumir).
É verdade que nossa própria mente é um mistério para nós mesmos, não é atoa que Heráclito se preocupava com o “Conhece-te a ti mesmo!” (depois repetido por Sócrates nas linhas dos diálogos de Platão), portanto o ato de escrever pode ser, também, um processo de explicitação ou expressão gradual de algo sobre o próprio íntimo do sujeito, mas sobre o qual ele não tem total controle, isso acontece com quase todas as obras de arte (independente da linguagem estética em questão), isso quando tomamos como objeto da atenção filosófica o ato criativo.
A literatura parece ser uma arte com alto grau de complexidade no que diz respeito ao acúmulo de material volitivo, e não consciente, que podemos notar em uma observação sobre as obras, e isso serve mesmo para o próprio criador que olhará para sua obra depois de concluída, encontrando coisas que não imaginava que poderiam ali estarem expressas quando estava no “durante” de seu processo criativo, mesmo que tenha muito planejado. Mas, dentro da literatura, a poesia parece ser mais potente neste sentido, podendo enriquecer a prosa, dado que a poesia pode estar presente internamente na prosa. Aqui devemos definir o que é poesia afinal: de forma muito sintética, entendo por poesia não exatamente uma linguagem poética engessada na forma do poema, mas, a capacidade de expressar, metaforicamente, com ritmo, sentimentos, ideias, vontades individuais, crenças, de forma que tais ganhem “corpos” estéticos apropriados para a apreciação sensível de quem der atenção a tal expressão, atenção de cunho estético que envolve uma reação emocional, e não apenas racional, no sujeito da atenção. Temos então que identificar o que exatamente seria essa “atenção estética”, o que exatamente acontece no sujeito que é expectador de uma obra de arte, mesmo que seja o próprio criador dela? O que acontece em sua mente e em seu corpo (ou como alguns preferem “em seu corpo psicofísico”) quando se depara com uma obra de arte estando aberto a receber dela uma “mensagem”? É preciso deixar claro que é necessário que o sujeito esteja aberto a receber da obra (ou do fenômeno “obra de arte” “x”) algo, especificamente “a mensagem estética”, caso contrário a experiência estética não se desenvolve adequadamente ou poderíamos dizer que “nem mesmo acontece”. Além disso é preciso que o espectador domine alguns códigos, que conheça alguns símbolos presentes na obra ou que consiga nela os identificar, caso contrário é possível que nem mesmo reconheça tal obra como “arte”; isso é mais comum no campo das artes plásticas e visuais, mas, também acontece na música.
A literatura se apresenta geralmente como “literatura”, mesmo nas formas de literatura mais “alternativas” ou “experimentais” há uma forma que envolve a apresentação da obra, uma forma que a determina como “literatura” (romance, prosa, poema…) e não como qualquer outra coisa, e isso pesa muito sobre tal tipo de arte. A música se aproxima do que disse com relação a literatura, mas, temos na música experimentações, em especial a partir da segunda metade do século XX, que a maioria das pessoas certamente não teriam muita facilidade em reconhecer como música, e nas “artes visuais e plásticas” as “inovações e experimentações” aparecem com uma frequência maior na contemporaneidade, em especial nas instalações e arte dita “abstrata” (uma palavra não muito adequada, mas, que é usada tradicionalmente para classificar trabalhos de artistas como Kandinsky ou Pollock).
A música mais comum (no sentido de mais “popular” ou mais propagada) tem como base escalas tomadas como padrão e que estão fundadas sobre notas identificadas. A literatura, por sua vez, está presa à gramática e ortografia de um idioma e dos ícones usados para simbolizar conceitos através da linguagem predominante dentro de uma sociedade e cultura específica.
A gramática de uma língua não pode ser ensinada sem um contato com a cultura do povo que a usa, pois, os ícones usados não seriam jamais compreendidos ou seriam assimilados de uma forma tal que quem se apropriasse deles, sem conhecer os significados usados nas sociedades que originalmente os usavam, correria o risco de criar uma nova língua e é exatamente isso que acontece com o alfabeto romano usado pela maioria das sociedades ocidentais, as letras (sinais gráficos) que formam palavras-ícones podem formar inúmeras palavras com sentidos diferentes em cada idioma onde são usadas e podem mudar até mesmo de som, embora, guardando uma linha histórica e fonética que pode ainda ser identificada. As palavras, por sua vez, carregam uma linha histórica filológica também passível de ser mapeada, dado que falamos de idiomas que derivam do Latim o qual ainda guardamos registros de estudos históricos sobre. Mas podemos lembrar aqui que o grego e até mesmo o árabe e outras línguas que usavam alfabetos diferentes, também influenciaram a formação de palavras nos idiomas que usam o alfabeto romano, mas o que permaneceu foi o som das palavras traduzidas para os sinais gráficos latinos e muitas vezes um pouco do sentido original das mesmas, por exemplo: a palavra “logos” que em grego era escrita com outro alfabeto e que dá origem no português a palavra “lógica” cujo um dos sentidos claramente é “razão”, mas que pode também ser compreendida como “uma disciplina filosófica dedicada a análise de argumentação e forma de argumentos” (disciplina a qual usará também, algumas vezes, sinais gráficos e ícones próprios, tal como a matemática tem seus sinais de adição, subtração, divisão, multiplicação, porcentagem, etc, e ícones básicos em forma do que chamamos “números” sendo os básicos “0123456789” os quais formam todos os demais, em infinitas combinações e possibilidades de adições).

Voltando à Literatura, lembramos que, como obra de arte, um romance é “aberto” e deve ser assim, caso contrário perde sua força como obra de arte, embora alguém possa talvez dizer que se cansou de um livro e que nada ele tem mais para comunicar-lhe, isso geralmente é exagero ou a falta de interesse do sujeito em tentar extrair mais daquela obra, o que poderia fazer se direcionasse a ela ainda mais atenção ou a colocasse sob questionamento, crítica). Temos aqui a sugestão que o “colocar sob crítica ou questionamento” pode manter uma obra de arte viva (no sentido de “aberta”) para o espectador, o que nos leva a reconhecer que a Filosofia é muito útil para a apreciação estética se for vista como “atividade de pensamento crítico e reflexão constante, no destrinchar da realidade” (realidade como tudo o que pode ser percebido pelo sujeito, no mundo fenomênico a seu redor e nele mesmo).

Para ilustrar bem o que quero dizer com “Literatura para pensar a realidade”, destaco a obra “O Conto da Aia” (“The Handmaid's Tale”) de Margaret Atwood. Nessa obra a autora desenvolve o mundo interior da personagem principal Offred, apresenta as camadas de complexidade da subjetividade da personagem, expressando aspectos de seus sentimentos, sua percepção sobre si e sobre a situação em que vivia, memórias, percepção sobre o próprio corpo, valores, o que sentia e pensava sobre o comportamento de outras personagens e o tempo… Podemos encarar tal trabalho como um exercício de compreensão sobre o comportamento humano, a “mente” tentando compreender a realidade e a si, e comparar ao que um filósofo ou um psicólogo tentam fazer ao tratarem dos mesmos temas.
Se lembrarmos, por exemplo, a Crítica da Razão Pura de Kant, não há dúvidas de que, apesar de recorrer também à tradição da história da Filosofia, Kant constrói sua teoria olhando para si mesmo, observando a si, tomando a si mesmo como objeto, caso contrário, de acordo com os pressupostos (ou talvez as conclusões para ser mais preciso) de sua própria filosofia, seria inviável falar sobre como o “sujeito do conhecimento” percebe a realidade, dado que tudo o que pode perceber do mundo externo e do próprio corpo são meros fenômenos submetidos à forma da intuição empírica, ao tempo e espaço e as categorias do entendimento. Kant não criou nenhuma personagem, mas poderia tê-lo feito para explicar sua perspectiva, seria um exercício de criatividade filosófica e poética, se assim fizesse, embora podemos pensar que o “sujeito do conhecimento” seja algo semelhante a uma personagem, “uma máscara”.
Margaret Atwood não escreveu (na obra citada aqui) sobre limites do conhecimento, sobre criticismo ou “razão pura”, não pretendeu escrever um livro de Filosofia com “O Conto da Aia”, mas ao abordar o tema da opressão e escrever sobre o que imaginava se passar na mente de uma mulher oprimida sob uma ditadura religiosa, nos faz pensar sobre a situação e condição humana e certamente muito do que escreveu o fez baseado em sua história de vida (não necessariamente do que viveu "na prática"), no que incluo aí toda sua bagagem de leitura e observações sobre o que acontecia a seu redor e como sua própria psiquê percebia a realidade, a si mesma, etc.
Uma escritora não pode escapar de sua própria subjetividade, isso é impossível, mas Margaret Atwood fez um exercício de imaginação e de “colocar-se” no lugar do outro, mesmo que esse outro fosse uma personagem a quem dava “vida” nas linhas de seu livro.

A Literatura é uma forma de conhecimento da realidade (retomando e frisando que, denominamos aqui “realidade” a tudo o que podemos ter acesso através de nossos sentidos e que podemos pensar “sobre” de alguma forma; o que está dado, porém, nem sempre ainda interpretado ou compreendido; também o que pode ser imaginado; o que ocorre a nossa volta e dentro de nossas mentes). A literatura é mais uma tentativa do sujeito compreender o mundo a sua volta e a si mesmo, usando a imaginação submetida à forma racional do texto literário ou se expressando através dessa “fôrma”, com suas regras específicas ou regras engendradas pelo próprio escritor ou escritora. E como toda arte, a literatura tem a potência de criar algo novo na realidade, gerar novas perspectivas, novas formas de interpretação sobre o mundo.

Podemos, a partir da obra de Atwood (a qual já inspirou filme e série de TV), pensar sobre coisas que acontecem a nossa volta, desde temas sobre política, machismo, até arte e religião, moralismo, conservadorismo, amor, família, além da própria subjetividade humana e interação entre subjetividades...
Exercitando uma analogia, podemos pensar: Seria possível, hoje, em um país como o Brasil, por exemplo, onde igrejas evangélicas neopentecostais disseminam-se pelas periferias das grandes cidades (e fazem acordos com governos), a efetivação de uma ditadura baseada nas interpretações sobre a bíblia por parte dos pastores que controlam tais instituições? Não podemos esquecer que em pleno 2020 pastores com interpretações sobre o “Velho Testamento” (alguns se aproveitando da própria tolice e arcaica crueldade que alguns trechos deste livro infelizmente apresentam) tão toscas quanto as da inquisição medieval, fazem coro com o atual governo federal que é presidido por um indivíduo que não tem vergonha em fazer apologia à tortura e ditadura militar e elogiar tiranos capitalistas. No mínimo podemos pensar, comparando com a obra de Atwood, sobre a força dessas igrejas na sociedade brasileira e a capacidade de influência que possuem sobre milhões de brasileiros, moldando aspectos da cultura e moralidade, interferindo mesmo na política, por intermédio de partidos e candidatos que patrocinam. Sendo assim, reconhecemos facilmente que a literatura nos traz, ao alimentar ou instigar nossa imaginação, a possibilidade de, no mínimo, ser auxiliar na construção de interpretações sociológicas, psicológicas e filosóficas sobre a realidade social, política, cultural e o comportamento humano.

A literatura também é um aspecto da realidade e como tal (como já sugerido), em sua potência criativa, afeta o mundo, afeta comportamentos, gera valores; isso não pode ser esquecido, o próprio texto bíblico mencionado há pouco, demonstra muito bem isso.
Em um romance, uma ficção, o mundo gerado pelo escritor aparece com leis da natureza, tempo, regras, espécies, de tal forma que, dependendo da precisão da criação, para muitos pode iludir a ponto de parecer real ou oferecer uma fuga aparentemente consistente (por convencer) do “mundo real”, escapar de um mundo que lhes pareça entediante ou pesado.
No mundo da ficção literária a imaginação pode voar, mas, dependendo da obra a opressão pode ser sentida a cada linha, como é o exemplo da obra de Atwood. De qualquer forma a criação literária e a leitura são formas de experienciar o mundo que mostram a complexidade do fenômeno humano.





sexta-feira, 3 de julho de 2020

Breve discurso niilista com cicatriz de falsa esperança fustigada pelo inverno.



Breve discurso niilista com cicatriz de falsa esperança fustigada pelo inverno.

Uma “rede social”, um blog, um canal de vídeo, são distrações que nos trazem a ilusão de que podemos realmente fazer alguma diferença no jogo político e no "teatro humano" ao expressarmos opiniões escancaradas no "mundo virtual" das aparências, o que não passa de engodo, tempo pelo ralo, pois, para quem realmente controla Estados e o Mercado, nossas opiniões não fazem nem "cócegas". Para "eles" somos meros números e nem isso talvez.
Antes da invenção das redes sociais a "democracia liberal representativa" mantinha "a ilusão" de forma mais arcaica, apostando no circo eleitoral periodicamente, o que continua obviamente. E as igrejas persistem com a propaganda de que uma entidade onipotente e onipresente, rancorosa, criadora do universo, se preocupa com nossas mazelas cotidianas e deprimentes problemas que o "sistema" nos joga nas costas ou que nós mesmos escolhemos para preenchermos horas, as quais, sem essas incomodações, poderiam nos lançar o "sem sentido" na cara.
O mercado seduz e engana o ego dos consumidores, mentindo-lhes que são relevantes, que se tiverem o produto “x” serão admirados e os coitados caem facilmente na magia da publicidade. Um celular novo, uma marca de cerveja ou vinho, uma foto para mostrar que o sujeito ainda existe e tem.

Somos explorados como trabalhadores, como eleitores, como crentes, como consumidores, como "cidadãos pagadores de impostos", militantes engajados, fanáticos bitolados, mantendo a máquina que nos mastiga a todo vapor.

Os planos dos "canalhas poderosos" são cuidadosamente lapidados por especialistas contratados a preço de ouro e programas de "inteligência artificial" rastreiam, moldam opiniões automaticamente, 24 horas por dia, em toda a rede, enquanto fora do "mundo virtual" as igrejas, Estados , partidos, indústria cultural e a mídia privada de massa, fazem a mesma coisa, fritam cérebros todos os dias aos milhões e há tempos (há muito e muito e muito e muito tempo, sob outras formas, variações do mesmo esquema, para ser mais “preciso”, hoje mais moderninho, com novas ferramentas geradas pelos próprios tolos maltratados…desde que surgiram pirâmides).
Nossas vozes e as palavras que lançamos perdem-se no turbilhão de bobagens nas linhas de fibras óticas e telas iluminadas que prejudicam nossos globos oculares. Nossas anêmicas "teorias", quando escapam tímidas do transtorno aconchegante de nossas mentes acanhadas, e se apresentam ao mundo exterior da selvageria declarada, são massacradas pela lava das banalidades, ofuscadas por imagens sedutoras, barulho dos arrotos da ganância dos burgueses, violência simbólica, censura brocha dos moralistas, abafadas ou simplesmente invisibilizadas, dado que não somos ricos, nem famosos, ou não acumulamos títulos e mesmo quando, para alguns, esse é o caso, tudo não passa de exibicionismo e tempo que se esvai, vaidade, bobagem, pois, quem controla o jogo "não está nem aí" com os "plebeus engraçadinhos” e o roteiro será seguido de forma ainda mais ridícula.

Os poderosos também seguem roteiros, mas compram liberdades agradáveis de acordo com suas preferências, com muita grana, com o sangue, sofrimento e trabalho dos subjugados, eles ditam as regras e o hedonismo chega a lhes ser entediante por lhes ser de fácil obtenção. Nem mesmo podemos falar muito sobre eles, pois nossa realidade é a da base da maldita pirâmide, melhor voltarmos a remoer nossos incômodos.
Podemos nos afogar no lamaçal das baboseiras a qualquer momento, pois nossos botes infláveis navegam em suas ondas, o oceano da besteira está por todo lado. Quando muitos caem é comum nem perceberem e continuarem boiando.
E nada faz muito diferença afinal...Até isto que escrevo certamente pouco vale e não fará muita "diferença", ou quem sabe para alguns, para os poucos que se importam (não, não fará muita diferença, são apenas palavras lançadas na rede, no mundo; "vaidade").

Podemos nos esconder em nossas cavernas individuais e personalizadas, mas, mesmo no mais bem construído e decorado esconderijo, lá nos encontrarão do lado de uma fogueira de ideias e nos puxarão de volta a esse enredo desprezível, nos obrigarão a tarefas enfadonhas pelo preço de nossa sobrevivência. E caso não fossem "eles" ou a "máquina", a nos atormentar, a natureza faria tal papel tirânico como realmente faz constantemente, não há como escapar. Há fuga só no fim (?). Nem isso sabemos com certeza e se houver será nada.
Temos ainda o arremedo de "contato", "links" no mundo virtual entre nós. Nos observamos, trocamos algumas ideias, tal contato pode chegar ao físico, pessoalmente (o que no momento está bem prejudicado por um vírus e antes já estava bem corroído pelos embates ideológicos toscos). Infelizmente preciso lembrar que, a própria linguagem que usamos para tentarmos nos entender é um mundo virtual cheio de regras e a censura está a espreita nos arbustos dos valores e nos ouvidos e olhos dos burocratas mesquinhos da correção, aqueles que gozam com a fustigação das normas sobre quem tenta viver um mínimo instante sem podar-se (mesmo quando sem consciência disso).

muitos inimigos na trincheira. Moralistas corretores, propagadores de ideologias dos tiranos, funcionários da máquina, pregadores de doutrinas que matam lentamente a criatividade e infectam mentes...Muitos...Muitos...
E nós? Há uma tribo? Há possibilidade de construirmos algo entre nós? Somar forças para fazermos os carrapatos engomados sentirem o peso da massa? Arquitetar nosso mundo paralelo longe dos reizinhos tirânicos, vermes do capital? Deveríamos focar mais nisso, seria uma alternativa, porém, isso demanda tempo, cuidado, dedicação, energia e vontade. O comodismo é sempre a saída mais prática e está muito frio.

Paulo Vinícius
(mais um indivíduo da espécie humana).