O
teatro das aparências da “democracia liberal representativa” e o
caso Decotelli.
Salles mentiu em currículo, Weintraub plagiou trechos de trabalhos alheios, Damares mentiu em currículo, Alexandre de Moraes plagiou trabalhos alheios e até Dilma (quando ministra da casa civil do governo Lula) esteve no time dos "currículos ilusórios" quando divulgaram que possuía doutorado, sem na verdade tê-lo concluído (sinto muito, mas lembro bem dessa). Agora o “atual ex ministro” da educação cometeu a mesma reprovável e risível falha.
Algumas
pessoas acharam exagerado o tratamento a Decotelli e apontaram em sua
cor de pele um motivo para tal. É possível que da parte de alguns
sujeitos a situação tenha sido realmente tratada sob a influência
deprimente e lamentável do racismo. Mas é preciso lembrar que erros
não justificam erros, bem como etnia ou gênero não é álibi para
“errar”, mentir ou atacar seus semelhantes (não esqueçam que
Decotelli estava credenciando-se para participar do governo do
canalha Bolsonaro).
Podemos lembrar alguns casos onde etnia, cor de pele ou gênero, em nada contribuíram para os atores mudarem suas atuações para algo mais positivo:
Obama
infelizmente não foi "tão melhor" ou "menos pior"
que Trump, embora fosse "simpático" (assim como Decotelli
em fotos parece ser "simpático") . No governo Obama rolou
o escândalo da espionagem denunciado por Edward Snowden; o governo
Dilma foi espionado; computadores da Petrobras sumiram com dados
sobre o pré-sal; a farsa da "Primavera Árabe" ocorreu sob
patrocínio dos EUA; Líbia (norte da África) foi bombardeada pelos
EUA com apoio da França e Inglaterra, para sugar o petróleo daquele
país que hoje está em colapso; a guerra na Síria começou sob
influência estadunidense, etc, etc. Obama, talvez, tenha sido
razoável em alguns aspectos para os estadunidenses (se comparado a
Trump), mas há muitas controvérsias sobre isso e não há dúvidas
de que desigualdade e racismo continuaram comuns durante sua gestão
nos EUA.
Margaret
Thatcher foi uma mulher no comando do Reino Unido, mas, seu governo
neoliberal foi truculento contra toda a classe trabalhadora
(incluindo mulheres trabalhadoras). Sob seu comando a Inglaterra
atacou a Argentina na guerra das Malvinas matando centenas de jovens.
O
presidente da Fundação palmares é afrodescendente mas combate o
Movimento Negro, o mesmo faz Fernando Holiday (DEM-MBL).
Tais
exemplos acima nos fazem lembrar que o famoso "lugar de fala"
é algo importante, positivo, mas isso quando quem fala tem realmente
"conhecimento de causa", sinceridade condizente com a causa
em questão e faz parte da luta do grupo do qual se fala, porém, sem
dúvida, um professor especialista em "Antropologia Gênero e
Sexualidade" dar uma aula expositiva sobre feminismo ,de forma
acadêmica, é preferível se a outra opção for ver a Sara Winter
dar uma palestra sobre o assunto, ou ainda, é mais razoável uma
professora oriental, honesta, e dedicada ao tema, falar sobre o
“Movimento Negro” do que escutar Sérgio Camargo falar sobre a
mesma questão.
O
machismo e o racismo infectam a cultura da sociedade brasileira bem
como toda a Cultura Ocidental, e na verdade o mundo todo, há tempos.
É preciso atenção e alerta contra os comportamentos que os
preconceitos derivados dessas ideologias deformadas geram, e não há
dúvidas de que, no Brasil, o governo Bolsonaro dissemina e fortalece
esses comportamentos e visões preconceituosas. Mas não esqueçam
que, além das lutas contra essas estúpidas atitudes, há o embate
entre classes que muitas vezes se sobrepõe às lutas das “minorias”
(as que estão, por sua vez, integradas na luta da classe
trabalhadora). Por outro lado, é verdade, também, que o machismo e
o racismo podem ultrapassar a condição de classe: uma mulher sofre
com o machismo independente de sua classe; obviamente a mulher
trabalhadora e pobre sofre mais. Uma pessoa de pele negra pode sofrer
racismo mesmo sendo bem abastada economicamente e fazendo parte da
classe dita “dominante”.
No
capitalismo dificilmente racismo e machismo, serão superados, dado
que o sistema acentua a competição entre as pessoas. Tais problemas
apenas serão maquiados no capitalismo, sempre de acordo com
interesses de lucro.
A
violência contra “minorias”, e contra a classe trabalhadora,
persiste nas sociedades capitalistas, a maior potência capitalista
do Ocidente (EUA) é exemplo disso, como casos recentes demonstram,
infelizmente. Mas a violência gera também uma situação que incita
sentimento de revolta e traz a possibilidade de aproximação entre
os que a sofrem, como alternativa de defesa.
Antes
da escravidão disseminar-se pelo continente americano, as muitas
etnias na África não se reconheciam como “africanos” ou
“negros”, demoraram para assumir uma noção de “grupo” na
América, e isso se deu como reação à forma como essas pessoas
foram tratadas pelos europeus. Visto que os europeus de “pele
branca” tratavam a todos os africanos e seus descendentes como
“inferiores”, com muita violência física e simbólica; essas
pessoas assumiram, então, um “sinal diacrítico” de
diferenciação que promoveu a união e soma de forças entre elas
para enfrentar os agressores. Assim surge propriamente a motivação
para a formação de um Movimento Negro (em um primeiro momento na
luta pela abolição da escravidão) e a união entre indivíduos que
antes se consideravam diferentes dadas suas origens étnicas, mas que
assumem uma identidade comum e se unem pelo “tom ou cor da pele”
(o que os diferenciava dos europeus em geral).
Se muitos afrodescendentes sentiram-se ofendidos com a forma como nas “redes sociais” o caso da adulteração de currículo por parte de Decotelli foi tratado, isso sugere a força que a referência ao “grupo” (que se auto-identifica pelo sinal diacrítico da cor da pele) tem no momento, e isso é mais uma nítida consequência da violência física e simbólica ainda muito intensa contra essas pessoas na sociedade brasileira e no continente americano como um todo.
Seria
muito positivo se toda a classe trabalhadora conseguisse superar
internamente (enquanto classe) o machismo e o racismo (entre outros
preconceitos e atitudes reprováveis) e chegasse a um sentimento de
unidade, de “grupo”, afirmando-se contra a classe que a explora.
Para tal é necessário superar as influências da ideologia da
classe dominante disseminada pelo Estado, mídia privada de massa,
igrejas.
Voltando
à arena política institucional brasileira, é importante lembrar
que Bolsonaro manteve Salles, Damares e Weintraub em seus cargos,
apesar das mentiras em seus currículos (ou em seus trabalhos
acadêmicos no caso de Weintraub) e dispensou Decotelli (ou ele mesmo
solicitou dispensa, o que na verdade é a versão “oficial” sobre
o caso), talvez pelo momento de crise no país e pressão contra o
governo, talvez por terem “pegado pesado demais” nas críticas,
talvez por ter entrado no lugar de Weintraub e herdar a raiva que
muitos tinham contra o cretino a quem estava substituindo, talvez
racismo (algo a se pensar)... O fato é que nada justifica mentir em
currículos ainda mais se o sujeito pretende ser ministro de um país,
mas, isso é "fichinha" perto do que temos na presidência,
pois, não esqueçam que Bolsonaro mente diariamente e já fez
apologia da tortura e ditadura, ou seja, é um canalha desprezível,
mas está ocupando a cadeira de presidente e, pelo jeito, vai ficar
mais um tempo já que ninguém faz nada realmente relevante para
derrubar esse patife sabotador.
Não
esperem nada positivo desse governo, o objetivo de Bolsonaro e da
milicada que o segue é colocar definitivamente o povo brasileiro de
joelhos aos interesses estadunidenses. Mantenham-se atentos, voltem
atenção à raiz dos problemas. O capitalismo no Brasil acentua o
machismo, racismo, a competição entre as pessoas. Cuidado para não
caírem nas armadilhas colocadas pela própria Direita para dividir
ainda mais as “Esquerdas” já bem “feridas” e sem bússola.
Em
uma sociedade capitalista, em país subdesenvolvido e subserviente a
interesses estrangeiros, sob os moldes do teatro da “democracia
liberal representativa”, a farsa é constante, o jogo de aparências
é intenso, manobras de fingimento se repetem, até quando se deseja
aparentar conhecimento e status acadêmico para falsamente
“enobrecer” o grupo no executivo (e ludibriar o público), mesmo
que o conhecimento acadêmico seja desprezado pelo atual governo.
Decotelli
parecia simpático, mas, não esqueça que entraria no governo infame
de Bolsonaro para continuar a prática do programa bolsonarista de
desmonte da educação pública no Brasil, o que já afeta a vida de
milhões de estudantes da classe trabalhadora (entre esses, muitos de
pele negra). Seria muito proveitoso se esse exemplo de ataques a uma
farsa de adulteração de currículo fosse usado contra os demais
ministros que fizeram o mesmo e ainda estão em seus cargos causando
graves danos à população brasileira. Eles foram criticados quando
assumiram, mas, ficaram em seus cargos. A pressão não foi a mesma,
será? Não aceitaram recuar? Afinal, a pergunta é importante: por
qual motivo os outros não caíram? E a essa eu colocaria outra
ainda: por qual motivo esse governo de mentiras, farsas e canalhices
ainda não caiu!?(Sobre essa última tenho algumas hipóteses, mas
essas lhes apresento em outra oportunidade, deixo-os pensando
sobre…).
A
verdade é que quase tudo é farsa na “democracia liberal
representativa” a começar pelo termo “democracia”, visto que
os fantoches políticos e partidos que vencem eleições são aqueles
patrocinados pela burguesia que depois lucrará com o Estado, o qual
controlam indiretamente, impondo seus interesses sobre a multidão
iludida.
Paulo
Vinícius N. Coelho
(Professor
de Filosofia e Sociologia; Cientista Social).
Nenhum comentário:
Postar um comentário