O animal que "sabe que sabe".
por Paulo Vinícius
(Professor de Filosofia e Sociologia)
Recorrer ao "argumento" da "cadeia alimentar" ou "suposta superioridade da espécie" para justificar comportamentos humanos com relação a outras espécies, não é bom argumento e pode gerar posicionamentos incoerentes sobre o que se almeja para a própria espécie.
A espécie humana tem como uma de suas
características a capacidade racional para discernir entre opções
complexas apresentadas com base em conhecimento prévio e conceitos
abstratos, de forma consciente e autoconsciente (percebendo o próprio
processo e suas etapas). Comparar a espécie humana com o que fazem
outras espécies (que agem frequentemente por mero instinto) na maioria
das vezes é exemplo de erro grosseiro, falácia.
Quando se força
uma analogia entre a espécie humana e as demais, no que diz respeito,
por exemplo, a questão da alimentação, para se tentar justificar a
alimentação baseada em carne (sem critérios), esquecendo que outros
animais agem, na maioria das vezes, por impulso instintivo e não possuem
discernimento racional sobre o que fazem, enquanto a espécie humana
organiza uma indústria da carne e derivados de animais em escala global
(onde milhões de animais morrem diariamente de forma violenta para
satisfazer prazeres humanos, a maioria desnecessários) o erro da
comparação é ainda mais tosco.
Se um sujeito critica a
exacerbação do individualismo, exploração, competição e uso do
"darwinismo social" (o discurso de que "mais fortes ou mais bem
adaptados" devem realmente dominar os demais) por liberais e neoliberais
que recorrem a isso para justificar a "exploração de humanos sobre
humanos" nas sociedades capitalistas (assim como nazifascistas fazem, de
forma ainda mais escancarada, nas sociedades onde essa ideologia
racista e autoritária domina), se indigna com o uso de ideologias para
"legitimar" a pobreza e desigualdade ou mesmo quando o sujeito repudia
que alguns (ou uma classe específica) imponham violentamente seus
interesses aos demais (vistos como "fracassados ou inferiores"), então,
tal sujeito não deveria, fazer o uso de argumento semelhante para
justificar a exploração humana de outras espécies animais apenas por ser
mais conveniente ao seu "gosto pessoal", afirmando que "por sermos
superiores as demais espécies e estarmos no topo da cadeia alimentar
devemos, então, fazer o que é da nossa vontade e usar outras espécies
como desejarmos", pois, "seria de acordo com a natureza"; tal posição é
uma incoerência descarada, já que assume aspectos de ideologias as quais
para a espécie humana condena , mas, que aplicadas a outras espécies
afirma como "justificáveis".
Não há argumento razoável para
afirmar a superioridade da "espécie humana" (o que se toma como
referência?) como um "critério ético", e os supostos "argumentos" que
são geralmente usados são muito semelhantes aos discursos ideológicos
usados para justificar hierarquias de poder no interior da própria
espécie. Mas se o critério for a superioridade intelectual e capacidade
racional ( o que permite a espécie pensar sobre si e sobre o mundo onde
está inserida , a natureza da qual é uma manifestação consciente),
então, o desfecho do raciocínio é outro e encontramos algo como uma
"responsabilidade da espécie diante da natureza" ao contrário de uma
"afirmação egoísta" que seria uma auto-condenação assumida e que
racionalmente facilmente pode ser criticada como estupidez, capaz de
gerar danos para a própria espécie quando os efeitos da ação abalam
ecossistemas em um planeta onde há , como podemos perceber, uma
interação sistemática entre quase todas as formas de vida (bem como,
também, com a matéria inorgânica afetada pela ação humana).
Obviamente se buscarmos construir uma Ética que oriente a relação da
espécie humana com as demais, os critérios do sofrimento e dor são
básicos, assim como o critério da liberdade alheia e da manutenção de
equilíbrio ambiental (no entanto "dor e sofrimento" aparecem como
primordiais). Para enlaçar essas preocupações o ideal de planejamento
social, visando a melhoria da qualidade de vida da própria espécie
humana no planeta é algo que se mantém implícito e a forma como
tratarmos as demais espécies e a natureza como um todo será sempre um
espelho da forma como tratamos a nossos próprios semelhantes no interior
da espécie humana.
A denúncia (enquanto a ação efetiva não é
possível) é importante para tentar despertar o esclarecimento e dar voz
aos que não podem protestar ou defenderem-se a si mesmos. Apontar a
violência contra as demais espécies e a destruição do ambiente guarda
semelhança com as denúncias sociais que revelam a exploração e a miséria
nas sociedades humanas.
Disponível, também, em:
http://opensadorselvagem.org/ciencia-e-humanidades/panta-rhei-poesiasofia/bioetica/
Nenhum comentário:
Postar um comentário